Um dia de futebol no DF
A série “Um dia de futebol no DF” apresenta narrativas coletadas por membros do Grupo Cancha: Esporte e Ciências Sociais, que acompanharam todos os jogos de uma rodada do Campeonato Candango de Futebol Masculino de 2025, ocorridos simultaneamente. Essa iniciativa nasceu de um esforço coletivo para documentar as experiências nas arquibancadas, nas proximidades dos estádios e nas interações entre o futebol e o território no Distrito Federal, usando uma abordagem etnográfica.
Pontapé Inicial
Em 8 de março de 2025, um grupo de pesquisadores do CANCHA se distribuiu por vários estádios do Distrito Federal (DF) para registrar todos os jogos de uma rodada do Campeonato Candango de Futebol, conhecido como “Candangão”. O objetivo era claro e audacioso: elaborar uma coletânea de relatos etnográficos que refletisse os diversos significados sociais, políticos e afetivos do futebol na capital.
Esses textos foram produzidos com a intenção de explorar o futebol além de um simples jogo, entendendo-o como uma prática social que está profundamente enraizada nos territórios. O Candangão, frequentemente deixado de lado na cobertura esportiva nacional, serve como um espaço para analisar dinâmicas urbanas, identidades locais e relações comunitárias. Os estádios, as torcidas e as áreas ao redor oferecem uma perspectiva diária do futebol que muitas vezes passa despercebida nas grandes arenas e transmissões.
Fundada em 1960, Brasília é a capital mais recente do Brasil e da América do Sul. Apesar da sua juventude, a cidade logo se destacou em um continente onde “motivos de futebol” fecham locais, como apontado pelo uruguaio Eduardo Galeano. A competição futebolística surgiu rapidamente nas terras áridas do Planalto Central.
O futebol no DF começou com torneios amadores antes da fundação da capital, em 1959, com clubes formados por “candangos”, termo que se refere aos trabalhadores e primeiros habitantes do Distrito Federal. Com a criação do Campeonato Brasiliense de Futebol – o “Candangão” – em 1976, o esporte profissionalizou-se, mobilizando clubes, jogadores e torcedores em toda a região.

Em uma cidade ainda em busca de suas raízes históricas, a criação de uma liga de futebol local serviu como um espaço de convergência para os novos habitantes. Desde seu início, o campeonato tem sido um catalisador essencial para a construção de uma identidade popular e esportiva em Brasília.
Muitos migrantes que chegaram a Brasília sofreram uma “desterritorialização” de suas identidades, frequentemente ligadas a seus estados de origem e respectivos clubes. O Campeonato Candango proporcionou uma nova “territorialização”, permitindo ouvidos “candangos” torcerem por equipes locais.
Clubes como o extinto Rabello Futebol Clube e Defelê Futebol Clube, juntamente com o CEUB (Centro Universitário de Brasília), que teve uma relevância nacional antes de encerrar suas atividades, ajudaram a cimentar o crescimento do futebol na capital. Nos anos 90, a Sociedade Esportiva do Gama e o Brasiliense Futebol Clube emergiram rapidamente nas divisões de acesso do Campeonato Brasileiro.
O Candangão de 2025 marca a celebração dos 50 anos do campeonato, que começou em 1976. No entanto, a data não recebeu a devida atenção, sendo reconhecida apenas na final entre Capital e Gama, na Arena BRB (Estádio Mané Garrincha).

A observação simultânea de todos os jogos da rodada do Campeonato Candango surgiu do desejo de criar uma representação visual das vivências esportivas em Brasília, refletindo a pluralidade dos territórios onde o futebol acontece. O objetivo era captar a diversidade de cenários, práticas e vínculos que compõem o “Candangão”, ressaltando que a mesma prática esportiva, o futebol, pode ter aspectos distintos dependendo do local e contextos.
Embora o “Candangão” seja um campeonato regional, ele possui profundas complexidades sociais e espaciais de Brasília, como rivalidades entre regiões administrativas e as distâncias do transporte público. Em um só horário, alguns assistem ao jogo em estádios tradicionais, enquanto outros estão em campos improvisados sem torcedores visíveis.
A escolha por observar a última rodada da fase regular foi estratégica, pois é uma fase onde diversas equipes vivenciam situações contrastantes, com vagas estabelecidas e outras em disputa. Essa diversidade permitiu explorar como as emoções e os níveis de engajamento são afetados pela posição de cada time na tabela, impactando o entorno dos estádios e a maneira como torcedores se comportam.
Narrando o “Candangão” sob diferentes perspectivas, buscamos promover uma compreensão mais rica do futebol no Distrito Federal, como uma manifestação de sociabilidades, desigualdades e identidades urbanas. Em vez de tratá-lo como uma entidade fixa, queremos expor sua multiplicidade e pulsação em cada local onde o jogo ocorre.
Este projeto é um esforço coletivo que reúne futuros antropólogos e sociólogos dedicados ao estudo do futebol como fenômeno social. Nas publicações futuras, os leitores poderão acompanhar relatos sensíveis de um dia em que o futebol candango foi vivido intensamente em sua diversidade.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Como citar
ALMEIDA, Debora; SOARES, Emanuel de Abreu. Cancha – Um dia de futebol no DF. Ludopédio, São Paulo, v. 192, n. 20, 2025.