UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

Ao longo das últimas duas décadas, a vila litorânea de Barra Grande, no Piauí, foi alçada de povoado essencialmente pesqueiro a destino turístico internacional. No centro dessa virada, está a ascensão do kitesurf, esporte aquático em que o praticante, preso a uma prancha, é impulsionado pela força do vento por meio de uma pipa (kite), controlada por cabos e uma barra de comando. Essa conjuntura é investigada na tese O kitesurf em Barra Grande, município de Cajueiro da Praia – Piauí – PI, Brasil, entre 2000 e 2024: bons ventos para velejar. No início deste ano, o trabalho foi defendido por André da Silva Dutra no Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO).
O autor explica que seu objetivo foi apresentar uma “narrativa verossímil” sobre a trajetória do kitesurf na vila – onde, antes de chegada dessa prática esportiva, o turismo era voltado essencialmente “para grupos de veranistas e turistas interessados em banhos de sol e de mar”.
No campo empírico, André Dutra utilizou entrevistas semiestruturadas, observação direta e recorreu também ao Google Street View. Entre os entrevistados, foram selecionados moradores locais, turistas, empresários, instrutores de kitesurf, atletas amadores e profissionais e membros de associações comunitárias. As entrevistas (18 ao todo) foram feitas entre maio e setembro de 2022. Os relatos e observações foram sistematicamente categorizados em quadros temáticos que abarcaram desde aspectos simbólicos do esporte até implicações urbanísticas e sociais.
Oportunidades e desigualdades
Com a presença do kitesurf, o turismo em Barra Grande passou a responder às demandas dos seus praticantes (em sua maioria, estrangeiros), o que impulsionou a instalação de empreendimentos turísticos, como pousadas, chalés, escolas de kitesurf e restaurantes. A criação do Projeto Vivo, em 2013, pela Kite Escola Paraíso, democratizou o acesso ao esporte. “Muitos jovens que não podiam arcar com o alto custo dos equipamentos foram beneficiados e, posteriormente, conquistaram prêmios e reconhecimento, como Bia Silva e Emanoel Piçarrinha”, informa André Dutra.
O pesquisador lamenta, no entanto, que todo esse processo tenha sido marcado por segregação social. “A vila foi dividida entre a Barra Grande dos ricos e a Barra Grande dos pobres, sendo que os pobres foram perdendo espaço para os grandes empresários”. O fenômeno do kitesurf também provocou, segundo André Dutra, a diminuição do intercâmbio cultural, já que os turistas praticantes preferem ficar reclusos em hotéis e pousadas. “Antes da expansão da modalidade, os turistas eram mais próximos dos moradores e interagiam cotidianamente”, argumenta o autor da tese.

Identidade e memória coletiva
A imagem pública de Barra Grande como destino turístico associado à prática do kitesurf, como apurou André Dutra, hoje é amplamente difundida nos meios de comunicação. “Exemplos dessa representação também estão presentes em fachadas de bares e barracas, decoradas com pranchas ou fotos do esporte”, acrescenta o pesquisador. Nesse ponto, segundo ele, reside uma contradição, já que muitos dos moradores atualmente enfrentam dificuldades para se inserir no mercado gerado pelo turismo. “Esses nativos, que aprenderam o esporte de modo informal e o introduziram na comunidade, não conseguem competir com empreendedores de mais recursos”, aponta.
O autor projeta que sua pesquisa tem potencial para gerar desdobramentos importantes nos campos acadêmico, social e político. “As informações e análises produzidas podem apoiar a formulação de políticas públicas que levem em consideração as especificidades locais, o protagonismo dos moradores e a necessidade de conciliar turismo, meio ambiente e cultura tradicional. É fundamental que a história do kitesurf em Barra Grande seja conhecida e valorizada pela sua comunidade, principalmente por crianças e adolescentes, nas escolas do povoado”, estima André Dutra.
Tese: O kitesurf em Barra Grande, município de Cajueiro da Praia – Piauí – PI, Brasil, entre 2000 e 2024: bons ventos para velejar
Autor: André da Silva Dutra
Orientadora: Maria Cristina Rosa
Defesa: 31 de janeiro de 2025, no Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer