Sucesso de Juca Chaves da trilha de ‘Ainda Estou Aqui’ surgiu de embate com Jorge Ben


Por Marcelo Pinheiro (Especial para o ICL Notícias)

Selecionada coletivamente por Walter Salles, o montador Affonso Gonçalves e os roteiristas Murilo Hauser e Heitor Lorega, a trilha sonora de “Ainda estou aqui” tem propiciado a redescoberta de joias da música brasileira como “É preciso dar um jeito, meu amigo”, de Erasmo Carlos, e “Take me Back to Piauí”. A  composição de Juca Chaves embala uma das cenas mais memoráveis do longa-metragem que, na noite de  domingo (2), concorre ao Oscar nas categorias Melhor Filme Internacional, Melhor Filme e Melhor Atriz.

A história por trás da irreverente composição de Juca remete ao final de 1970, quando teve desfecho um embate musical, iniciado meses antes, entre o menestrel e Jorge Ben Jor, que então assinava apenas Jorge Ben. Na edição de 8 de outubro do jornal A Tribuna, uma nota antecipava a estreia televisiva da música: “Juca Chaves está na onda da paródia. Primeiro foi Paris Tropical, versão marota de País Tropical.  Agora, ele compôs Take me Back to Piauí, que será lançada hoje no programa da Hebe Camargo.”

Antes de mergulharmos nos detalhes dessa peleja entre Juca e Jorge, que teve direito a réplica e tréplica, voltemos ao recorte do filme em que “Take me Back to Piauí” foi inserida. Aos 23 minutos, a família Paiva se reúne em casa com amigos para se despedir Vera Paiva, a Veroca, primogênita do casal Rubens e Eunice, que estava às vésperas de partir para uma breve estadia em Londres. É então que Rubens põe pra tocar na vitrola o compacto de Juca e o filme mergulha em um plano-sequência marcado pela contagiante coreografia das crianças e dos adultos.

A beleza solar que irradia das imagens contrasta com o teor sombrio que se imprimirá no filme pouco depois. Sobretudo pela triste premonição inerente ao breve diálogo entre o casal Paiva que antecede o final da cena: “Você acredita que ela (Veroca) já aprendeu a viajar sozinha?”, questiona Eunice. “Daqui a pouco só sobra a gente”, diz Rubens.

O compositor e cantor Juca Chaves, que fez uma das canções que são destaque na trilha do filme ‘Ainda estou aqui’ (Foto: Reprodução)

Juca x Ben

Foi nesse mesmo tom, de subtexto político, que teve início a contenda musical que culminou na criação de “Take me Back to Piauí”. Lançado em 1969 por Jorge Ben Jor, o samba exaltação “País tropical” primeiramente estourou na voz de Wilson Simonal. Em um momento pós AI-5, de fechamento do Congresso, de recrudescimento da repressão e de escalada da tortura, a composição de Ben Jor foi vista por muitos como adesista ao regime militar, de teor ufanista e alienante.

Um desses críticos foi Juca Chaves que, em julho de 1970, lançava a paródia “Paris Tropical”, apinhada de provocações como: “Alô Brasil, alô Simonal/ Moro e namoro em Paris tropical”; ou “Alô Brasil, alô Jorge Ben/ Eu vou de metrô, você vai de trem/ Paris não tem Flamengo, Pelé nem Tostão/ Aqui Brigitte joga em qualquer posição/ Faço do Moulin Rouge o meu Maracanã/ Que futebol, que nada, bom mesmo é o cancã.”

“Paris Tropical” caiu no gosto do povo e deixou Jorge injuriado, não só pela provocação mas pelo êxito comercial conferido por Juca às custas de seu sucesso. A réplica viria menos de um mês depois, como anunciava O Pasquim. “Jorge Ben compôs uma música-resposta ao Paris Tropical de Juca Chaves. Não é por nada, mas parece que Jorge não quer deixar o ‘Nasone’ ficar faturando em cima do seu nome.”

Intitulada “Resposta”, a música foi gravada por Simonal e lançada em compacto pela Odeon. Interpretada como um gesto de recalque do autor de “País tropical”, na revista O Cruzeiro, “Resposta” foi alvo de alfinetada do apresentador Flávio Cavalcanti: “É de lascar a musiquinha que Jorge Ben fez em resposta ao ‘Paris Tropical’ de Juca Chaves”.

Entre indiretas e pitacos, a letra de “Resposta” diz: “Quem dera que Paris fosse tropical/ Que tivesse uma nega Teresa, com muita alegria e Carnaval”; “Eu prefiro ser um durão aqui dentro do que um bicão lá fora”; e “Eu sei onde é meu lugar/ Sei onde eu ponho o meu nariz” — clara chacota à protuberância nasal de Juca.

Com um ímpeto de oportunismo tão elevado quanto seu senso de humor, Juca voltou ao estúdio pra gravar a tréplica de “Resposta”. Intitulada “Take me Back to Piauí”, a música também pegava carona em outro enorme sucesso daqueles dias, “Quero Voltar Pra Bahia”, de Paulo Diniz. Sarcástico, Juca abre a primeira estrofe em suposto tom conciliador: “Adeus, Paris tropical/ Adeus Brigitte Bardot/ O champanhe me fez mal, caviar já me enjoou/ Simonal estava certo, na razão do Patropi/ Eu também, que sou esperto, vou viver no Piauí.

Sucesso no Piauí

A miríade de referências que compõe a letra de “Take me Back to Piauí” passa por Hebe Camargo, Chacrinha, Teixeirinha, o poeta Gonçalves Dias e uma citação cifrada a Tony Tornado, cuja menção ao sucesso BR-3 é antecedido por um “aleluia, aleluia”, que faz troça do refrão de “Resposta”.

A escolha do Piauí como destino de redenção de um Juca outrora deslumbrado com os luxos parisienses faz também contraponto ao Brasil idílico cantado por Jorge. Naquele começo de década, o estado nordestino registrava um dos piores índices de pobreza no país.

‘Take me Back to Piauí’ tornou-se um sucesso no estado e lotou show em Teresina (Foto: Reprodução)

Na esteira do sucesso de “Take me Back to Piauí”, Juca foi laureado com uma comanda concedida pelo então governador do Piauí Alberto Silva e consagrado pelo público de Teresina ao fazer um show para 5 mil pessoas no Estádio Lindolfo Monteiro. Acolhida que motivou o artista a fazer negócios no interior do estado, conforme o próprio destacou na revista “Intervalo”: “Investi todos os meus milhões em negócios de caju no Piauí, a ‘Cajulândia do Brasil’.”

Findada a peleja com Jorge, Juca buscou um novo alvo, Roberto Carlos, que então tomava de assalto as rádios do Brasil com “Jesus Cristo”. Lançada em 1971, a paródia foi intitulada “Jeová, Jeová”, e dava início com o coro: “Jeová, Jeová…/ Olhe também pra mim que estou mais pra lá do que pra cá.”

Diferentemente de Jorge, o rei Roberto, que deve ter considerado a música de Juca uma tremenda heresia, não comprou briga com o menestrel. Lembranças de um tempo de ouro da música popular brasileira que vêm à tona 55 anos depois, na esteira da redescoberta de “Take me Back to Piauí”, graças ao sucesso mundial de “Ainda estou aqui”. Que venham as estatuetas!



Fonte Original da Matéria

Mariana Beltrão

Sou redatora, revisora e tradutora de textos, formada em Letras e em Filosofia, estou sempre em busca de conhecimentos. Atualmente escrevo para o portal Folha de Parnaíba, sempre buscando as últimas notícias para os leitores.

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