Piauí lidera no PIB com a força do agro, mas o piauiense empobrece


O Piauí vive um paradoxo que grita.

Os gráficos do IBGE e da Resenha Regional do Banco do Brasil apontam para um crescimento de 3,7% no PIB do Piauí em 2025 (o maior entre os estados do Nordeste) e o governador Rafael Fonteles, claro, exalta o chamado “milagre piauiense”, ancorado no avanço do modelo agroexportador.

Mas, fora das planilhas e dos discursos oficiais, o cenário nas feiras, nos mercados e no cotidiano da população piauiense revela um contraste: o crescimento não tem chegado com a mesma força aos bolsos e à mesa da população.

O que está se desenhando é um retrato oposto: salários corroídos, inflação nos alimentos e uma crescente sensação de empobrecimento.

É o dilema de um estado que aprendeu a crescer, mas ainda não aprendeu a distribuir.

Uma simples conversa que tive estes dias com uma dona de casa na fila da farmácia e o lamento: “O dinheiro não vale mais nada”.

A questão que ficou é… crescemos, mas pra quem?

De Patinho Feio a Cisne Econômico

Por décadas, o Piauí foi subestimado. Visto como periférico, isolado, sem grande expressão na indústria ou nos serviços. Mas eis que o agronegócio, puxado pela soja, milho e algodão, redesenhou o mapa da riqueza local. Municípios como Uruçuí, Baixa Grande do Ribeiro e Bom Jesus viraram “ilhas de PIB” no meio do cerrado. O salto de 10,5% no setor agropecuário em 2025 não é apenas estatístico – ele movimenta bilhões, atrai multinacionais, transforma paisagens e amplia a infraestrutura logística.

Estradas vicinais estão sendo pavimentadas a toque de caixa, silos gigantes brotam no horizonte como catedrais do novo capital.

Mas há um problema: esse avanço é concentrado, pouco integrado às cadeias produtivas locais e quase totalmente voltado à exportação. É o velho modelo colonial em nova embalagem: exporta-se natureza, importa-se desigualdade.

A Capital dos contrastes

Teresina, que concentra mais de 60% do PIB do estado, vive uma outra narrativa. Mas vá perguntar ao comerciante do bairro Dirceu o que isso muda na prática.

A cidade assiste ao boom do interior com certo distanciamento, como quem ouve falar de um parente rico que nunca manda dinheiro.

A economia da capital ainda gira em torno do setor público, do comércio e de serviços informais. O agronegócio, apesar de movimentar cifras bilionárias, pouco respinga na rotina urbana de Teresina e até de grandes cidades do interior do Piauí mais próximas dessa riqueza verde.

O que se aproxima mesmo são as contas: a cesta básica subiu de R$ 100 para R$ 140 no intervalo de um ano. O arroz, o feijão, o frango alimentos que o Piauí produz em larga escala se tornaram produtos de luxo para parte da população.

O depoimento de um comerciante do bairro São Joaquim, em Teresina, traduz bem o sentimento geral:

Todo dia escuto no rádio que o Piauí tá crescendo. Mas aqui na minha venda, o povo compra fiado, leva meio quilo de arroz, uma banda de galeto. O dinheiro aqui é pouco e não vale nada.

A Algema da Economia Urbana

E como se não bastasse, entra em cena a taxa Selic, projetada em estratosféricos 15,25% ao final de 2025. Um freio de mão puxado com força na economia real.

Para o pequeno comerciante de Teresina, é a dificuldade de financiar o estoque. Para as famílias, é o crédito caro que inviabiliza o sonho da casa própria ou do eletrodoméstico novo.

Uma economia de duas velocidades: o campo a 10,5%, a cidade a 15% de juros. Um descompasso que grita por atenção.

O Milagre do Emprego que Não Paga as Contas
Em março de 2025, o Piauí liderou o ranking nacional de geração de empregos formais. Foram 3.947 novas vagas no trimestre. Mas quem olhar apenas esse número não verá a outra face da moeda: 36,5% desses trabalhadores estão nas classes D e E, ganhando pouco, consumindo menos ainda. O salário médio mal acompanha a inflação. Entre 2020 e 2024, os produtos básicos subiram 55%. No mesmo período, a inflação geral foi de 33%. O salário nominal pode até subir, mas o poder de compra despenca.

Falta Valor Agregado, Sobra Vulnerabilidade
A estrutura produtiva do Piauí segue fragilizada. A indústria de transformação permanece incipiente. A lógica é simples e cruel: planta-se aqui, exporta-se in natura, processa-se lá fora. O estado ganha com o frete, perde com a margem de valor agregado. Pior: ao se especializar tanto no agroexportador, o Piauí se torna vulnerável às mudanças climáticas, aos preços internacionais e ao câmbio. Em anos bons, comemora-se o PIB. Em anos ruins, lamenta-se a estiagem. E o povo, esse, sempre paga a conta.

Entre Uruçuí e Teresina: O Abismo Econômico

Enquanto cidades como Uruçuí ostentam a apoteose para os novos latifundiários do agro, bairros inteiros de Teresina lutam para manter uma alimentação básica. O dinheiro gerado no interior não circula plenamente na capital. As redes de supermercados que lucram com essa inflação são de fora. O frete que encarece os alimentos é repassado ao consumidor. A renda que se concentra na elite agrária vira poupança, não investimento local. É o “efeito vitrine”: vê-se o brilho, mas não se toca na riqueza.

O 13º que Vira Poeira
O pagamento do 13º salário feito pelo governo do estado em 2024 injetou R$ 675 milhões na economia local. Uma onda de otimismo que durou pouco. O aumento nos preços corroeu esse respiro. Em muitos lares, o que antes era uma oportunidade de compra se tornou pagamento de dívidas. O comércio sorriu por uma semana. Depois, voltou à estagnação.

Crescer é Preciso. Distribuir é Urgente.
O Piauí dá ao Brasil uma lição ambivalente. Mostra que é possível sair da periferia econômica, mas também expõe o preço dessa ascensão quando ela é concentrada. O agronegócio pode ser locomotiva mas uma locomotiva que puxa vagões vazios não leva o povo adiante. É hora de debater um novo pacto estadual: que promova a industrialização da produção agrícola, fortaleça os serviços urbanos, democratize o crédito e amplie a educação técnica. Sem isso, a riqueza continuará girando em círculo sempre nas mesmas mãos.

Ponto de Ruptura: O Crescimento que Nos Encolhe
O maior risco que o Piauí corre não é deixar de crescer. É continuar crescendo assim: à custa da desigualdade, da inflação e do empobrecimento silencioso. O estado pode até virar manchete na Faria Lima, mas se não virar feira cheia nas cidades, será só mais um exemplo de como o Brasil insiste em crescer pela metade. O desafio está posto: ou o Piauí aprende a distribuir a riqueza que gera, ou continuará a protagonizar o paradoxo do progresso que encolhe vidas.

Se quiser fazer jus à imagem de gestor moderno que projeta para fora, Rafael Fonteles precisará encarar esse dilema clássico: governar para o PIB ou para o povo. Crescimento sem redistribuição é só estatística de marketing e o povo não come planilha.

É bonito para todos nós dizermos que somos “o estado que mais cresce no Nordeste”. Mas o que realmente importa é saber se esse crescimento tá chegando onde deveria: no bolso, no prato, na vida do piauiense comum.

Porque se não chega, então não é progresso. É só estatística.

A OPINIÃO DOS NOSSOS COLUNISTAS NÃO REFLETE, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO PORTAL LUPA1 E DEMAIS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DO GRUPO LUPA1 .

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Fonte Original da Matéria

Mariana Beltrão

Sou redatora, revisora e tradutora de textos, formada em Letras e em Filosofia, estou sempre em busca de conhecimentos. Atualmente escrevo para o portal Folha de Parnaíba, sempre buscando as últimas notícias para os leitores.

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