Debate sobre desgaste físico explica como cada continente tem seus prós e contras nos EUA
Os primeiros encontros entre os clubes brasileiros e europeus na Copa de Clubes geraram diversas questões. Uma delas diz respeito ao impacto do calendário e do momento da temporada no desempenho futebolístico do torneio nos Estados Unidos. Do ponto de vista nacional, os resultados, como vitórias e empates, indicaram uma diferença menor do que se imaginava entre os dois continentes. Já pela perspectiva europeia, fatores como cansaço e clima foram mencionados como determinantes para os resultados. Flamengo e Fluminense terão a oportunidade de comprovar esses aspectos ao enfrentarem Bayern de Munique (ALE) e Internazionale (ITA), respectivamente, neste domingo e segunda-feira.
Mas quais são, de fato, os principais fatores? No alto nível do esporte, uma resposta simplista seria inadequada para um cenário tão complexo, onde aspectos mentais, ambientais e estruturais têm papéis relevantes. O impacto do desgaste físico ao longo da temporada é inegável. Atletas profissionais são acompanhados de perto desde o retorno das férias até o final do campeonato. Por exemplo, o cortisol, conhecido como o hormônio do estresse, pode aumentar significativamente durante a temporada.
— O cortisol se acumula com jogos e viagens sucessivas. Em excesso, esse hormônio pode causar danos aos tecidos, perda de massa muscular, incremento na acumulação de gordura, problemas de sono, além de afetar o sistema imunológico. O corpo perde seu equilíbrio, acelerando a morte celular sem recuperação adequada. Por isso, quando poupamos atletas, é porque há sinais claros de riscos de lesões caso joguem — explica Altamiro Bottino, atual coordenador científico do Cuiabá, com experiência no Botafogo.
Foco nos Grandes Jogos
Diferentemente de outras modalidades, no futebol não é possível treinar um atleta ou uma equipe inteira para atingir o auge em um único jogo ou torneio. Enquanto atletas de outras disciplinas se preparam para atingir pico de performance, os jogadores de futebol buscam manter um desempenho aceitável ao longo da temporada, que inclui várias partidas decisivas. As melhorias na preparação física e no controle de carga, tanto nos grandes clubes europeus quanto brasileiros, são fundamentais para evitar quedas drásticas de performance.
— Há uma diferença clara entre o meio e o final da temporada, principalmente do ponto de vista mental. Isso é especialmente verdadeiro no Brasil, onde a pressão aumenta em jogos decisivos. Enfrentar essa pressão e, em seguida, ter outra competição pode ser desafiador — reflete Diego Ribas, ex-capitão do Flamengo. — Contudo, isso não é uma limitação se você estiver bem preparado. Enfrentamos essa situação contra o Liverpool (em 2019) e estávamos prontos.
Essa é a percepção de muitos profissionais dos clubes brasileiros entrevistados. Não se observa uma queda física generalizada entre os atletas europeus, mas sim um desgaste mental. Para os jogadores brasileiros, competições como o Mundial de Clubes são grandes oportunidades, o que aumenta sua entrega emocional.
— Concentração e foco são cruciais. Muitas vezes, isso se reflete em clássicos no Brasil, onde o jogador pode relaxar achando que a partida não exigirá tanto. A concentração é muito maior em um jogo contra um rival europeu — admite Renato Gaúcho, técnico do Fluminense.
Outros fatores também influenciam a diferença entre o cansaço europeu e o vigor potencial dos brasileiros em meio à temporada. Por exemplo, em 2025, o Chelsea jogou 28 partidas antes de sua viagem para o Mundial, uma média de uma partida a cada cinco dias. Em contrapartida, o Flamengo teve 35 jogos em seu calendário (um a cada quatro dias). Além do tempo em campo, as longas viagens, especialmente aéreas, são um fator importante no desgaste dos atletas. Os ingleses percorreram cerca de 9,9 mil quilômetros, enquanto os rubro-negros viajaram 38 mil quilômetros. No caso do PSG e Botafogo, que tiveram um número de jogos similar, o alvinegro percorreu quase o dobro da distância: 18 mil contra 33 mil quilômetros.
— Além disso, na Europa, as condições climáticas são mais estáveis. No Brasil, uma equipe pode jogar em Porto Alegre e depois ter que se deslocar para o Norte ou Nordeste, enfrentando longas esperas em aeroportos, voos cancelados e mudanças climáticas drásticas. Isso demanda muito mais do corpo do atleta — acrescenta Bottino.
Isso também resulta em uma maior resiliência dos jogadores brasileiros. O clima quente e úmido dos EUA afeta mais os europeus, que não estão habituados a níveis tão altos de estresse térmico. Além disso, a qualidade dos gramados e o ritmo mais lento dos campos menos irrigados exigem adaptação por parte dos jogadores.
Apesar das queixas das ligas europeias sobre a realização de mais um torneio, a FIFA defende que o número elevado de jogos não é causado pela Copa de Clubes, cuja próxima edição está agendada para 2029 (embora ainda não esteja no calendário internacional da entidade para aquele período).
Em comunicado, a FIFA destaca que “são, no máximo, sete jogos a cada quatro anos para dois clubes em todo o mundo” e que “nenhum jogo foi adicionado ao calendário”, pois “o torneio substitui a antiga Copa das Confederações”.
A entidade acrescenta que tem promovido iniciativas, desenvolvidas em parceria com entidades como o FIFPro (sindicato global dos jogadores), para garantir o bem-estar dos atletas, como o Fundo da FIFA para Jogadores de Futebol; adoção de substituições adicionais em competições de elite; substituições permanentes em caso de concussão; maior proteção para jogadoras; e decisões sobre o calendário internacional.