O campo científico e a violência no futebol

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Este texto dá continuidade a uma reflexão que iniciei durante meu primeiro doutorado, defendido em 2012 no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP). Meu objetivo é analisar como o campo científico contribui para a construção do problema social da violência no futebol brasileiro. Para isso, é importante esclarecer minha perspectiva sobre o que define um problema social: fundamentado na abordagem construcionista (LOSEKE, 2008), rejeito a ideia de que um fenômeno possa ser intrinsecamente problemático. A definição de um problema social resulta sempre de uma convenção estabelecida em um contexto assimétrico de poder, onde grupos dominantes e dominados lutam para impor suas classificações e avaliações do mundo social.

É tentador supor que um fenômeno pode ser considerado objetivamente problemático se for amplo e grave. No entanto, o que é visto como grave por um grupo pode não ser por outro. Além disso, a percepção de um fenômeno como problemático altera-se conforme a sensibilidade social. Por exemplo, a disciplina corporal através da palmatória era uma prática vista como necessária, mas hoje é considerada uma forma inaceitável de violência contra crianças.

A classificação de um fenômeno como extenso também é passível de debate. Quantas pessoas precisam ser afetadas para que um fenômeno seja considerado problemático? Mesmo que encontremos um critério comum, ainda poderíamos questionar por que certas situações profundamente insatisfatórias para muitos não são reconhecidas como problemáticas, permanecendo fora da agenda pública. Um exemplo é a cobertura midiática que frequentemente critica as dificuldades burocráticas para abrir negócios no Brasil, enquanto raramente questiona a exploração de classe que gera desigualdades sociais.

Desse modo, entendo que um problema social não é apenas um reflexo das suas condições objetivas, mas um resultado de um processo social repleto de contradições e conflitos. Identifico três atores principais na construção desses problemas: a mídia, os movimentos sociais e o campo científico. Esses atores competem pela atenção de diferentes audiências, como o poder público, visando mudar o “clima cultural” acerca de um fenômeno ou estabelecer novas políticas públicas. Muitas vezes, eles acabam formando alianças, dada a interdependência entre eles. Por exemplo, cientistas dependem da mídia para dar visibilidade às suas descobertas, enquanto a mídia procura validá-las para fundamentar seus discursos.

Podemos, portanto, falar em um “mercado de problemas sociais”, onde fenômenos competem para ganhar visibilidade pública e, consequentemente, influenciar decisões políticas. Porém, também existe uma luta contrária: certos atores podem adotar estratégias para manter determinadas questões na penumbra, como ocorreu com a indústria do tabaco, que tem investido esforços para minimizar os riscos do consumo de cigarro.

Além dessa competição entre fenômenos, há a disputa pela representação legítima do que é considerado problemático, incluindo o diagnóstico, os atores envolvidos e as soluções propostas. No caso da questão das drogas, por exemplo, existem aqueles que defendem que se trata de um problema de saúde pública, enquanto outros o veem como uma questão de segurança. Essa caracterização é crucial, pois determina a abordagem a ser adotada, seja pela “redução de danos” ou pela “guerra às drogas”.

Retomando o foco deste texto, analiso o papel do campo científico frente ao problema da violência no futebol brasileiro. De acordo com meus estudos (LOPES, 2019), é possível afirmar que o campo científico não assumiu um papel central na inclusão desse tema na agenda pública. Quando começaram a surgir pesquisas estruturadas sobre o fenômeno, este já era considerado pela mídia um problema social, gerando um “pânico moral”. Se essa hipótese se confirmar, demonstra que o campo científico muitas vezes não consegue formular suas próprias questões, respondendo mais às pressão de outros campos sociais, o que sugere uma falta de autonomia.

Em segundo lugar, a inclusão do tema da violência no futebol na agenda científica trouxe consigo efeitos paradoxais. Por um lado, isso deu voz às torcidas organizadas, possibilitando narrativas alternativas às que geralmente as retratam como os principais “vilões” dos estádios. Por outro lado, essa associação entre violência e organizadas se fortaleceu. Embora outros aspectos dessas torcidas sejam analisados, frequentemente eles permanecem como pano de fundo, sendo a sua imagem negativa o que as coloca na agenda acadêmica.

Em terceiro lugar, é lamentável que o investimento público em pesquisas sobre a violência no futebol brasileiro tenha pouca contribuição para a transformação dessa realidade. As autoridades públicas raramente utilizam esses estudos na reforma da legislação esportiva, representando um desperdício significativo de recursos públicos.

Por fim, o tema da violência no futebol continua a gerar ricas análises científicas. Uma nova geração de pesquisadores está dando continuidade a estudos pioneiros sobre o assunto. Esta geração se destaca por dois aspectos: primeiramente, prioriza estudos transnacionais que comparam diferentes contextos, o que traz novos desafios. Em segundo lugar, muitos desses pesquisadores vêm das próprias torcidas organizadas e compreendem diretamente os problemas enfrentados por seus membros, como aponta Fabio Henrique França Rezende ao referir-se a eles como “intelectuais orgânicos”. Eles buscam representar os interesses de seus grupos enquanto fomentam uma “consciência torcedora” essencial para enfrentar as relações de dominação no universo do futebol.

Referências

LOPES, Felipe Tavares Paes. Violência no futebol: ideologia na construção de um problema social. CRV: Curitiba, 2019.

LOSEKE, Donileen R. Thinking about social problems: an introduction to constructionist perspectives. 2. ed. New Brunswick: Aldine Transaction, 2008.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.

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Como citar

LOPES, Felipe Tavares Paes. O campo científico e a violência no futebol: (breves) considerações sobre a construção de um problema social. Ludopédio, São Paulo, v. 191, n. 13, 2025.


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Mariana Beltrão

Sou redatora, revisora e tradutora de textos, formada em Letras e em Filosofia, estou sempre em busca de conhecimentos. Atualmente escrevo para o portal Folha de Parnaíba, sempre buscando as últimas notícias para os leitores.

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