Impactos ao Delta do Parnaíba leva MPF a pedir anulação das licenças da usina de hidrogênio verde no Piauí
Por Luan Matheus Santana e Tânia Martins
O Ministério Público Federal (MPF) ingressou, na última quinta-feira (03), com uma Ação Civil Pública contra o Estado do Piauí e a empresa Solatio H2V, responsável pelo projeto de instalação da que pretende ser a maior usina de hidrogênio verde do mundo, no município de Parnaíba. O procurador da república Saulo Linhares da Rocha apresentou oito irregularidades graves no processo de licenciamento ambiental e pediu a anulação imediata das licenças prévia e de instalação, concedidas pelo governo estadual por meio da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH), sob pena de multa diária de um milhão de reais.
Na ação, o MPF denuncia o fracionamento do licenciamento e aponta a incompetência do órgão estadual para licenciar o empreendimento, destacando que o caso deveria ser de atribuição do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), por envolver impactos em bens da União, como a Reserva Extrativista Marinha Delta do Parnaíba (RESEX DELTA), e por afetar Unidades de Conservação federais. Além disso, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) sequer foi consultado, mesmo sendo gestor da Área de Proteção Ambiental do Delta, que em plano de manejo veda grandes empreendimentos nas áreas de uso comunitário.
“As pesquisas e estudos atestando a segurança da captação e lançamento de efluentes e rejeitos no rio, assim como a própria disponibilidade e outorga de recursos hídricos, deveriam ser anteriores à autorização de instalação do empreendimento. A seriedade, proporção e irreversibilidade dos riscos ambientais atinentes à implantação da maior usina de hidrogênio verde do mundo estão a exigir percuciente e prévia análise de seus impactos em Unidades de Conservação federais e nos modos de vida das comunidades tradicionais e da população em geral”, afirma a ação.
A ação movida pelo MPF é fruto da provocação de diversas organizações da Sociedade Civil Organizada, como o Grupo de Trabalho sobre Impactos das Energias Renováveis (GETIER-PI), Rede Ambiental do Piauí (REAPI), Colônia de Pescadores de Ilha Grande, Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Piauí, Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP-PI), Coletivo Antônia Flor (CAF) e Filhas do Sol, além de associações locais de marisqueiras e filetadeiras, associações socioambientais, coletivos de comunicação popular. Todos subscreveram representações formais ao MPF solicitando a suspensão da Licença de Instalação da Planta de Hidrogênio Verde da Empresa Solatio em Parnaíba, PI.
Consulta ignorada, populações silenciadas
A petição também denuncia a ausência da obrigatória consulta prévia, livre e informada às comunidades tradicionais, conforme determina a Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil.
Essa omissão, segundo o MPF, é uma violação de direitos fundamentais, já que diversas comunidades diretamente afetadas — pescadores, marisqueiras, catadores de caranguejo e extrativistas — não foram ouvidas em nenhum momento do processo.
“A consulta prévia, livre e informada obriga o Estado a consultar as comunidades tradicionais sobre decisões administrativas que possam afetar os seus modos de criar, fazer e viver […] e não se confunde com as audiências públicas previstas na legislação ambiental, porquanto as audiências públicas constituem etapa essencial do licenciamento ambiental e tem por finalidade expor o conteúdo do EIA/RIMA”, destaca o documento.
Falta de estudos, fracionamento do licenciamento e risco à segurança hídrica
O MPF também evidencia a ausência de estudos técnicos adequados sobre o uso da água, tanto para captação quanto para lançamento de efluentes no rio Parnaíba. A outorga da água, que deveria ter sido previamente concedida pela Agência Nacional de Águas (ANA), não foi sequer requerida antes da emissão da licença.
Outro ponto gravíssimo apontado é o fracionamento indevido do licenciamento ambiental. Segundo a Resolução Consema nº 52/2023, o licenciamento deve englobar todas as etapas do projeto — produção, transporte e armazenamento do hidrogênio e da amônia. A empresa, no entanto, solicitou licença apenas para parte da operação, numa manobra para reduzir exigências legais e apressar sua aprovação.
Além disso, o empreendimento sequer possui ligação aprovada ao Sistema Interligado Nacional, segundo a ANEEL, o que levanta sérias dúvidas sobre sua viabilidade técnica e revela uma tentativa de avançar sem base mínima de planejamento energético.
O que pede o MPF?
A ação exige que a Justiça anule imediatamente as licenças concedidas, e que qualquer novo processo de licenciamento seja conduzido pelo IBAMA, de forma unificada e com garantia de participação popular efetiva. Também pede que só se avance mediante a realização de estudos aprofundados que comprovem a segurança hídrica, a viabilidade técnica e a compatibilidade ambiental do projeto, além da consulta plena às comunidades atingidas.