Futebol, o mercado silencioso do racismo e a coragem que o expõe
O recente conflito entre o Valencia CF e o jogador Vinícius Júnior expõe uma das feridas mais antigas do futebol mundial: o racismo estrutural que permeia as arquibancadas e os bastidores do esporte. A exigência de retratação do atleta brasileiro, após mencionar o clube em um documentário que narra sua trajetória e as experiências de racismo que sofreu na Espanha, revela o desconforto daqueles que preferem permanecer em silêncio em vez de confrontar a mudança.
Estamos em uma época em que figuras públicas são cobradas a falar, mas muitas vezes são punidas ao abrirem a voz contra o racismo. Enquanto atletas contribuem com títulos e contratos milionários, são venerados; porém, ao denunciarem a estrutura abusiva que sustenta o racismo, enfrentam tentativas de silenciamento e retaliação. A trajetória de Vinícius Júnior, um jovem negro de origem modesta que se destacou no Real Madrid e na Seleção Brasileira, incomoda não só por seu talento, mas também por sua firme postura contra a injustiça.
Há uma hipocrisia clara quando se considera que o futebol, esporte que tem entre seus maiores ídolos figuras como Pelé, Eusébio, Ronaldinho Gaúcho e Didier Drogba, ainda é gerido em sua maioria por executivos brancos, que se beneficiam economicamente dos talentos desses atletas, mas se omitem diante das agressões racistas que enfrentam.
Para ilustrar o impacto econômico do esporte, um levantamento da Sports Revenue League 2025, divulgado pela agência Two Circles, mostra que em 2024 o setor gerou U$$ 170 bilhões, superando o PIB de vários países.
Outro exemplo de conivência é a Conmebol. Desde há anos, jogadores e torcedores brasileiros enfrentam ofensas racistas durante partidas da Libertadores e da Sul-Americana, especialmente em países como Argentina, Chile e Uruguai. Comportamentos ofensivos, como imitações de macacos, são comuns, e os atletas frequentemente relatam insultos. A resposta da entidade tem sido insatisfatória, com notas protocolares e multas simbólicas que não trazem mudanças significativas. Em 2023, mais de 90 casos de racismo foram registrados em jogos na América do Sul, a maioria sem consequências adequadas.
Nesse contexto, a postura de Vinícius Júnior se torna ainda mais significativa. Ao se manifestar, ele desafia a noção de que sucesso negro deve ser obtido em silêncio. Sua luta não é individual; simboliza a voz de muitos atletas, torcedores, jornalistas e profissionais do esporte que enfrentam o racismo diariamente. Por isso, é necessário um esforço coletivo em sua defesa.
Apoiar publicamente figuras negras que se posicionam contra o racismo é um compromisso ético e civilizatório. Não basta ser apenas “não racista”; é fundamental ser antirracista (Ângela Davis) — e isso requer ação, coragem e apoio visível de instituições, torcedores, colegas e da mídia. O que está em jogo não é apenas a dignidade de um jogador, mas a chance de transformar um ambiente historicamente conivente com a violência racial.
FIFA, UEFA, Conmebol, clubes e marcas que lucram com o futebol devem compreender que não é possível celebrar os gols enquanto se silencia diante do preconceito. O futebol educa e representa milhões no mundo. É responsabilidade de todos torná-lo um espaço mais justo, igualitário e respeitoso.
Cada denúncia de racismo revela o desconforto do sistema. E é justamente esse desconforto que pode catalisar mudanças reais. Não podemos permitir que a dor seja censurada, a memória silenciada e a verdade distorcida para proteger instituições racistas.
O caso de Vinícius Júnior serve como um chamado à ação, pois, além do que já foi exposto, a censura demonstrada pelo clube espanhol é mais uma evidência de que o silêncio gera lucro e sustenta o racismo.