Usina de hidrogênio verde no Piauí deve consumir cinco vezes mais água que toda a cidade de Parnaíba
por Tânia Martins, do site Ocorre Diário (PI)
Anunciada como a maior usina de Hidrogênio Verde do mundo, o projeto da multinacional espanhola Solatio está a todo vapor na Zona de Processamento de Exportações (ZPE) de Parnaíba. Em março, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin,assinou a resolução que autoriza a instalação do projeto, após aprovação do Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (CZPE).
Agora, a Secretaria de Meio Ambiente do Piauí convocou uma Audiência Pública para apresentação e discussão do Relatório de Impacto Ambiental (Rima) do empreendimento, que deve acontecer nesta quinta-feira (24), na Associação Comercial de Parnaíba.
Avanços que colocam o Piauí no cenário mundial da produção de Hidrogênio Verde, ao mesmo tempo que insere o estado no mapa perigoso das violações de direitos socioambientais. E o risco maior é com a água potável dos rios e mananciais. O Grupo de Trabalho sobre os Impactos das Energias Renováveis no Piauí (GT), formado por pesquisadores, professores e sociedade civil organizada, recebeu com preocupação os estudos apresentados pela Solatio.
De acordo com o professor e pesquisador da Universidade Estadual do Piaui (Uespi), Valdinar Bezerra, integrante do GT, a má gestão da água sempre foi um problema grave na cidade de Parnaíba. Segundo ele, por lá, o consumo médio de água por habitante é de 117,3 litros por dia. A relação entre a necessidade de água que a Solatio vai precisar por dia (91,2 milhões de litros/dia) com a população de Parnaíba (162.159 habitantes) é de 562,41 litros. “Considerando o consumo médio do Município de Parnaíba de 117,30, significa que o gasto com água diário de Solatio daria para consumo de4,8 vezes a população de Parnaíba”, afirma.
Segundo o GT, o documento é um alerta para um possível colapso ambiental dos ambientes costeiro marinho e demais biomas existentes na pequena planície litorânea do Piauí, caso a Solatio consiga as licenças ambientais previstas para implantação da usina de hidrogênio verde no município de Parnaíba. O empreendimento deve consumir 3GW de energia, enquanto o Piauí inteiro produz 6,8 GW (ANEEL, 2015). Para dar conta da demanda, o governo está viabilizando a ocupação dos municípios da planície litorânea por projetos de energia eólica e solar. “O desmatamento será monstruoso, de milhares de hectares, em Bom Princípio, até agora, estão confirmados 10 mil hectares dedicados à instalação de painéis solares. O município tem 52 mil hectares”, diz o professor, pesquisador integrante do GT, João Paulo Centelhas.
O hidrogênio verde, também conhecido como hidrogênio renovável e pela sigla H2V, é um subproduto do hidrogênio produzido por meio de fontes de energia renováveis, como a eólica e a solar. O subproduto recebeu a classificação verde porque sua produção não impacta na emissão de gases poluentes.
Risco para o delta
Os pesquisadores do Grupo de Trabalho alertam ainda para outro risco grave. Segundo eles, o delta do rio Parnaíba e os rios Parnaíba e Igaraçu estarão condenados a contaminação pelo despejo de rejeitos e efluentes oriundos da indústria, “seja por eventuais vazamentos da solução de hidróxido de potássio utilizada na eletrólise alcalina, seja da limpeza dos equipamentos, seja de resíduos de amônia e da purga de resfriamento dos reatores”, assegura o pesquisador e professor Centelhas. Ele acrescenta que, quando forem jogados ao rio em alta concentração, os rejeitos e as impurezas resultantes da filtragem da água do Parnaíba produzirão um efeito brutal à vida aquática.
De acordo com Centelhas, outro aspecto preocupante é a retirada expressiva de água doce do rio antes dele se ramificar no delta e a liberação de efluentes gerados pela filtragem da água e da purga de resfriamento dos reatores que vai comprometer o grau de salinidade das águas do delta. Quando isso acontecer, diversos seres vivos aquáticos serão impactados, além de 1.510 famílias que dali tiram seu sustento e reproduzem seu modo de vida.
Já a usina, de acordo com os pesquisadores, vai produzir um gás tóxico (amônia NH3) que será disperso por chaminés e, mesmo em baixas concentrações, pode prejudicar a saúde das pessoas que moram nos bairros próximos ao local escolhido para instalar a indústria, em uma área 165 hectares.
Outro grande impacto será na área da Zona de Processamento de Exportações (ZPE) e bairros circunvizinhos (Igaraçu, Dom Rufino e Sabiazal). A área cedida à Solatio na ZPE será toda desmatada, promovendo o aumento da temperatura local. Já na fase de construção do empreendimento haverá intensa fuligem e poeira em suspensão, o que pode obrigar que as janelas das casas fiquem fechadas durante todo o dia, produzindo condições de temperatura insalubres às famílias.
Além disso, haverá forte aumento dos ruídos e barulhos ao longo do dia na área de construção e, também, pela circulação de tratores e caminhões. Além disso, a circulação de muitas pessoas deve mudar o ambiente social dos bairros, e o desmatamento da ZPE resultará na fuga e circulação de animais peçonhentos por toda área.
Área que será ocupada e desmatada pela Solatio
Crédito: Geo Soluções Ambientais Ltda