a patologia peculiar do dirigente do futebol brasileiro
Após dedicar tempo para ouvir as pessoas nos bastidores, identificamos uma peculiar patologia entre os dirigentes do esporte brasileiro: a síndrome do consultor. Ele ocupa cargos como diretor, presidente ou até mesmo proprietário do clube em questão, e quando aborda os problemas do negócio, consegue, de maneira simplista, apontar onde as coisas deram errado. Contudo, esquece ou finge não perceber que ele mesmo é o responsável pelas decisões que levaram a esses erros.
Recentemente, Pedro Lourenço, proprietário da SAF do Cruzeiro, exemplificou essa síndrome em uma entrevista. O empresário afirmou ao jornal O Tempo que a primeira pessoa que ele trouxe para o clube-empresa foi Alexandre Mattos, que ocupa a posição de CEO, e que, entre os vários reforços contratados desde então, mais de 18 jogadores não deveriam ter sido adquiridos.
Mesmo mencionando os erros no plural — “erramos” —, Pedro vacilou ao expor seu funcionário ao público, primeiro mencionando seu nome e depois falando dos atletas que considera inadequados. Em primeiro lugar: que credibilidade resta para Mattos diante da torcida e do mercado após ser criticado pelo chefe? Em segundo lugar: qual será o clima no vestiário sabendo que alguns ou todos os 18 reforços foram publicamente reprovados pelo proprietário? Os problemas começam por aí.
O que é ainda mais preocupante são as noções confusas sobre governança. Mattos construiu sua carreira como diretor de futebol do América-MG, Palmeiras e até do próprio Cruzeiro. Agora ele é CEO? Muito bem. Isso teoricamente significa que ele tem domínio não apenas sobre o departamento de futebol, mas também sobre finanças, marketing, jurídico, entre outros. No entanto, as decisões não devem ser tomadas apenas por ele; eles devem se reportar ao “board”.
E quem lidera a SAF do Cruzeiro? Os proprietários. Pedro Lourenço, o pai, designou seu filho, Pedro Lourenço Júnior, como vice-presidente dessa estrutura. Isso não quer dizer que eles precisem escolher jogador por jogador, mas é inviável elaborar um plano de investimentos para várias dezenas de jogadores sem um exame minucioso por parte dos donos. A equipe de scouting analisa, o treinador aprova, o médico atesta, o diretor negocia, o CEO organiza dentro do plano geral, e os donos tomam as decisões finais.
Não podemos afirmar que Pedro Lourenço não está familiarizado com o mundo do futebol. Como patrocinador de longa data e benfeitor em várias administrações na associação civil amadora, ele gostava de opinar nos bastidores sobre quem deveria ser o diretor, o treinador, ou o lateral. Agora, empoderado como proprietário, ele pode e deve compartilhar suas opiniões. O que lhe falta é aprender a maneira adequada de fazê-lo. Em público, não se deve queimar profissionais; é preciso assumir a responsabilidade, que de fato lhe pertence.
Dessa forma, mais uma vez, se confirma que as diferenças entre uma associação e uma SAF são mínimas. Seja como proprietário de um clube-empresa ou como presidente de uma entidade amadora, a decisão de dar mais ou menos autonomia aos seus profissionais — CEO, CFO, CMO, etc. — e exigir resultados deles é uma prerrogativa do dirigente. Ele pode optar por uma postura mais popular, em relação a tudo que acontece em campo, e pode também escolher agir como consultor de seu próprio negócio, tratando dele como se fosse uma entidade externa, ou assumir as consequências de suas decisões.